Elayni Franco, da saúde para área de dados.

Mulheres de Voz na Tecnologia
6 min readFeb 25, 2021

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O que te motivou a ingressar na área de tecnologia?

Desde criança sempre fui muito apaixonada por matemática e jogos, sempre pensava em ser professora ou ter uma profissão que utilizasse matemática aplicada (contabilidade era uma possibilidade quando eu tinha 13 anos), no ensino médio pensava em profissões que me despertavam curiosidade como biologia, engenharia biomédica, química, física.

Todavia, quem estudava em escola pública a vida toda não tinha o mesmo estímulo para fazer vestibular que alunos de escola privada na época. Meus colegas de escola eram metralhados o tempo inteiro de que precisavam terminar o ensino médio e conseguir um emprego pra ajudar nas despesas de casa. Fiz curso de informática e inglês porque meus pais pensaram nessa possibilidade também, mesmo não me exigindo isso. Os professores apesar de serem ótimos dando o conteúdo da série, não estimulavam seguir alguma profissão, muito menos a escola.

Nesse sentido, o que chegava na gente eram profissões clássicas como direito, letras, profissões da saúde. No último ano, como seguia com notas boas (na época o vestibular era dividido em cada ano do ensino médio), fui bastante estimulada a fazer um curso que tivesse garantia de emprego quando me formasse, então surgiu a enfermagem. Também não existia a oportunidade financeira de fazer vestibular pra nenhuma universidade fora da minha cidade, então só tinha duas opções: a federal com oportunidades que eu não fazia ideia, e a estadual com três cursos e uma estrutura deprimente. Passei nas duas, enfermagem e biologia. A escolha claramente se deu pela estrutura da universidade. As profissões que eu tinha interesse não seriam fáceis de conseguir emprego (eu já havia desistido de ser professora) ou só existiam em faculdades privadas ou fora do estado. Computação eu nem sabia o que era realmente.

Em enfermagem demorei um pouco para me habituar, era um lugar povoado de carros importados e alunos das melhores escolas privadas, às vezes precisava ficar muito mais tempo que meus colegas para usar internet e computador que eu ainda não tinha em casa. Quando consegui um computador para estudo as coisas melhoram muito e isso incentivou muito a minha curiosidade até chegar em informática para saúde. Infelizmente o grupo de estudos na área não era muito acolhedor, e era completamente focado em publicar artigos e nos alunos do mestrado e doutorado. E o que eu queria era trazer algum tipo de retorno, mudança para alguém.

Assim, houve uma época que surgiu um curso novo chamado Engenharia de Computação e eu fiquei vidrada, mas não tinha coragem de fazer vestibular de novo e até incentivei meu irmão e namorado na época, mas não convenci eles. Acabei conhecendo uma professora maravilhosa que estava trabalhando com quedas em idosos, entrei na iniciação científica e fiz o trabalho de conclusão de curso com ela. A gente elaborou uma proposta, elaborou questionário, aplicou, coletou os dados, montou um banco de dados, analisamos e provamos nossa proposta inicial. Eu fiquei apaixonada pelo processo, mas não queria trabalhar com o tema.

Depois de me formar fiquei desempregada, como todos os meus colegas que não tinham apadrinhamento de um político. Eu imprimi mais de 50 currículos, deixei em todos os locais possíveis, nada. Trabalhei como enfermeira voluntária por meses, mas as contas não são pagas com amor. No mesmo ano minha mãe descobriu um câncer agressivo e meu pai ficou desempregado, era muita coisa de uma vez só. Até que para estimular uns amigos decidi fazer o Enem, mas não esperava nada depois de 7 anos fora do ensino médio. Os meses passaram e eu ainda sem emprego eis que sai a nota e eu tinha conseguido uma nota bem legal. Depois de pensar muito decidi concorrer a alguma coisa que me faria feliz. Me candidatei a Engenharia de Computação e passei. Até esse momento só tinha visto uns cursos do Guanabara, a minha noção de computação era muito limitada.

Em computação fui foco de críticas de colegas e de alguns professores. Ouvi coisas como “computação é coisa pra gente doida, você devia ter ficado em saúde”, “acho que você ganharia muito mais ficando em saúde”, “são áreas nada a ver, por que essa decisão?”. Em enfermagem era comum ver profissionais que tinham duas graduações, direito, administração, entre outros, e recebi coisas como “nossa, que legal, parabéns” ou “computação tem tudo a ver com você”. Deu pra notar a diferença, imagino. Mentalmente a gente fica um pouco destruída. Até que me aproximei mais de um amigo do curso (que hoje é meu noivo) e me apoiou substancialmente para eu ter certeza que não estava louca.

Pouco antes de entrar efetivamente em engenharia acabei conseguindo dois empregos, o que é comum em saúde também por causa dos baixos salários. Um só pagava as passagens e o outro dois terços de um salário mínimo, dormia três noites por semana em casa, às vezes só duas. Meus pais me apoiaram muito, e mesmo vendo que eu teria que escolher entre trabalhar mal e estudar uma graduação nova, eles estavam lá me apoiando, mesmo não entendo o que eu estava fazendo. Reprovei quase todas as disciplinas, e eram disciplinas que eu estava gostando muito.

Escutando o podcast chamado PodProgramar, decidi largar tudo e continuar em computação, uma das hosts fez algo parecido, só que ela veio de fisioterapia. Conhecer histórias de outras mulheres que fizeram o mesmo me motivou a continuar, então comecei a me envolver em comunidades de tecnologia como Pyladies, PUG, WTM, e elas me ajudaram de uma maneira surreal. Hoje tenho Slacks, Discord, Telegram e outros canais com pessoas com histórias únicas em tecnologia que me ajudam a enxergar como uma história é única e sua trajetória não define seu final.

Com o passar das disciplinas fui me decepcionando com as disciplinas de hardware e conhecendo ciência de dados por meio de leitura, podcasts, vídeos e uma professora de IA que sempre falava como pré-processamento de dados é importante. A área de ciência de dados combinava muito com o que eu me apaixonei em enfermagem, até que reoptei para o curso Matemática Computacional porque o curso começou a ser extinto e os alunos migrados para o novo curso Ciência de Dados e Inteligência Artificial, curso que eu me apaixono cada dia mais.

Hoje eu estou trilhando desafios novos em tecnologia, mas completamente feliz pelas escolhas que fiz.

Quem é você de forma pessoal?

Eu sou a louca dos sobrinhos, tenho 5 e brinco que são meus filhos. Recentemente a mais velha começou a morar comigo e estamos aprendendo a lidar com esse desafio juntas. Eu amo conversar, sobre tudo, desde quem está fazendo sucesso no TikTok à diferenças entre regressão linear em estatística e computação. Eu passo a maior parte do meu tempo lendo, estudando e indo atrás de coisas que me interessam. Tento separar um tempo pra assistir séries, caminhar, desenhar, cozinhar também.

Eu sou um pouco obsessiva com coisas que eu quero, então eu não consigo parar até estar realmente satisfeita, e isso vai desde escutar umas música repetidamente 80 vezes seguidas em um dia ou conseguir alcançar um objetivo como ter um estágio. Eu sou muito ativa, então não consigo ficar parada muito tempo.

O que você mais gosta de fazer dentro da área de tecnologia?

Eu amo resolver problemas e ajudar pessoas, então me dedico à ciência de dados e inteligência artificial e a participar de comunidades de tecnologia onde eu posso ajudar mesmo com coisas fora da área.

Como descobriu o que queria fazer?

Foram podcasts, blogs, canais no Youtube sobre tudo: front, back, testes, gerência, requisitos, dados .Descobri o que eu queria, descobrindo sobre a área. A gente vê só a ponta do iceberg na graduação, e foi conhecendo sobre o que cada área fazia que eu descobri onde eu queria estar e o que eu queria fazer.

Pode fornecer dicas técnicas da sua área de estudo/atuação?

Acho que a dica mais importante é: saiba o fundamental muito bem. Programação, estatística, cálculo: saiba muito bem o básico. E outra, entenda o contexto, não adianta ser expert em ferramentas e não entender o contexto dos dados. Pergunte, tenha curiosidade, estude.

Há algo que você gostaria de dizer para mulheres que querem em iniciar na área de tecnologia e para as que já são da área?

Tenho dois conselhos que eu sigo. O primeiro é pense grande, você pode ser tudo que quiser, mas faça acontecer. O segundo: ninguém pode parar você, só você mesma.

Como se sente sabendo que sua presença na área de tecnologia pode inspirar alguém?

Fico feliz, não foi uma trajetória fácil e fico feliz que possa ajudar ou motivar alguém a seguir o mesmo. :)

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